terça-feira, fevereiro 21, 2012

CRÔNICA DE UMA TARDE DE CARNAVAL... NO MURICI

Pulei o carnaval do meu calendário e fui curtir o feriado no meio da mata, mais precisamente na reserva florestal Serra dos Cavalos, onde eu vivi grande parte da minha adolescência, quando aos fins de semanas, festas e feriados, fugia do caos cotidiano e das intrigas do dia a dia, para encontrar a felicidade dentro de uma casinha de taipa que estava sempre abarrotada de gente jovem por todos os lados. Uma delas e a mais jovem entre todos, era a minha avó, que acolhia aquele bando de "netos artistas" sempre com um sorriso nos lábios, um café quentinho ou caldo de cana pronto para ser saboreado.
De início, ao subi toda aquela estrada de chão batido, descer da moto e encostar-me rente ao cercado que separa os homens dos gados, olhei o horizonte e vi a minha cidade distante... Quis dizer palavras bonitas, rabiscar um soneto ou algo que o valhar, porém, antes de construir as sílabas de algum adjetivo para definir o belo daquela vista, ouvi uma troça se aproximando: o bloco das visinhas briguentas:
- Não fui eu quem foi pra sua porta bisbilhotar a sua vida, minha filha...
- Graças a deus eu nunca fui de fazer isso, Deus sabe bem. Ele vê bem quem tá na porta de quem procurando confusão, bixinha safada!
- Olhe lá como tu fala comigo, visse? senão eu faço tu engolir cada palavra, sua crente de merda! Fica escondendo as tuas safadesas atrás da bíblia, querendo julgar as pessoas, querendo ser a dona da verdade, mas comigo não. Na minha vida mando eu e não quero que rapariga nenhuma se meta nela, ainda mais uma crente fulera como tu.
- Ah! Minha filha, quero que tua vida se dane e que tu te exploda.
- Apois apareça na minha porta novamente pra tu vê o que vai acontecer com tu. Tô te avisando, tu deixa a minha vida em paz, sua catraia comedora de óstia! ... (foi saindo)
- Deus é testemunha dos meus atos!!! (certifica-se que a outra foi embora) Mas vê mesmo, uma inxirida dessa querendo me dá lição de moral no meio da rua. Vem pra cá, vem. Não digo, eu nunca fui na porta dela procurar conversa... agora ela fica ai se amostrando na rua pra vê se alguém da razão a ela...
...E como galinha de briga, saiu de crista erguida e resmungando alto para ver se o som das suas palavras dava-lhe a vitória na discussão.
- Pra teu governo, eu nunca disse um ai sobre tu, sua cachorra, tenho mais o que fazer. Essa catraia fica ai...
Ai, depois dessa interferência, já acompanhado por Jú e sua amiga, fui até uma daquelas casas, cumprimentei os moradores com um boa tarde e pedi um copo com água. Gelada ou natural? Perguntou-me a jovem mãe que estava arrumando o cabelo da filha mais velha, enquanto o marido bigodudo segurava as gêmeas ainda de colo. Natural por favor. Enquanto ela buscava a água que viria fresca em um copo azul, nós elogiavamos a beleza e astúcia da gêmeas. O Pai, contente, começou a nos falar sobre o tempo nublado que fazia e dos carocinhos de chuva que acabará de cair há uns minutos atrás. Uns carocinhos de chuva... A sabedoria popular é incrivelmente, simples, humilde e sábia. Qual árvore será que nasce desses caroços? De felicidades de bonaça, tomara. Porque de simpatia e presteza aquela vila já transborda.
Refrescamos nossas gargantas, agradecemos a gentileza e seguimos a estrada. Felizes com os carocinhos d'agua que acabavamos de engolir.
Já no caminho que nos levaria de encontro às lembraças, fomos envolvidos pelo cheiro de mato verde e terra molhada. A cada esquina cruzavamos com as reminiscências do passado que se tornaria presente, bastava fechamos os olhos e tudo seria materializado na nossa frente. Mas preferimos ficar de olhos bem abertos e projetar naquela paraíso, todas as pessoas, fatos e estripulias que viveram por lá. Inspirei, expiramos, respiramos fundo várias vezes... Tirei a sandália e com os pés descaços continuei a caminhada, certo de que quando a estrada bifurcasse, a casa de taipa ja não estaria mais lá. Dito e feito, o mato tomara conta do que um dia foi lar. Assim, ignoramos o caminho da direita que outrora era nosso porto seguro e seguimos reto rumo ao pau grande para recordar algumas resenhas vividas por lá.
Chegando à entrada que dava acesso ao nosso querido pau, a dúvida veio, mas logo foi embora, afinal, tudo aquilo ainda está presente nos nossos poros. Então subimos a ladeira que estava cheia de folhas molhada pelo chão, o que dificultava o acesso e consequentemente deixava tudo mais divertido. Arribamos ao pau grande e olhando de perto com a distancia do tempo não me pareceu tão grande quanto eu imaginava. Olhamos ele das raízes à copa e por um momento nos perguntamos se havia algum escrito nosso no seu tronco, mas logo veio a certeza que não, pois respeitavamos muito a natureza para deixar nossa marca nela, melhor permancer com as marcas dela em nós, nem que seja a dos arranhões dos diversos tombos que tomamos tentando descer a ladeira do pau grande.
Entre quedas, rizos frouxos e históras, seguimos em direção ao açude da mata, a nossa lagoa azul! Percorrendo todo o trajeto, passando pelas casas que agora estão abandonadas, vimos a estátua de barro de são francisco de assis em sua capelinha e mais a frente a placa de PROIBIDO TOMAR BANHO, indicando o caminho exato onde foi nomeada a Miss Murici.
Miss Murici
Ju
Explorando a trilha entre arbusto e galhos das árvores que cresceram ao longo de caminho, avistamos o açude cheio de gente, e no trono, digo, na pedra pedra da Miss Murici, encontrava-se um menino fazendo poses e logo percemos que ele queria concorrer ao Mister Murici. Porém não tem mais como. Tudo mudou: Os matos cresceram dentro do açude e a segunda pedra nem pode mais ser vista, com mais um punhado de tempo tudo estará tomado pelo mato. É a natureza seguindo o seu rumo. Os tempos são outros: Os jovens de agora são bem diferentes, estão muito evoluidos: Bebem PITU, fumam THC e ouvem bregas com letras de Djavan nos seus celulares. Nós, bebiamos cajuina, comiamos pão doce e cantavamos Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorforse ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Sobre o que o que é o amor, sobre o que eu não sei quem sou...”  E na indecisão de partir ou ficar, permanemos na biera do açude por um tempo, interagindo com os meninos, mas logo nos convencemos a ir embora, pois os carocinhos de chuva ameaçavam cair sobre nossas cabeças e podia fazer algum estrago.
No caminho de volta cantarolamos, rimos, achamos uma tanajura, algumas lagartas, falamos das nossas pessoas que vivem “engolindo sabos” e desejamos comer uns pasteis ou batatas fritas murchas que vendia na vila, ou ainda, o sagrado pão doce com cajuína rochedo. Mas o feriado momesco obrigou o padeiro a parar com o pão e aderir ao circo, sobrando pra nós, um biscoito treloso de chocolate, duas cajuínas e um salgadinho pipos. Somados a constatação de que quase nada mudou por aquelas bandas. De diferente somente a ausência e rizadas dos tantos amigos que um dia embrenharam-se por aquela matas. E nós, afinal, as pessoas da vila não paravam de nos olhar e cumprimentar-nos, como se fossemos turistas. Mal sabiam eles das crianças descabeladas e em folia que brincavam no terreiro do sítio da tia xocha, dentro de nós.