domingo, agosto 15, 2010

domingo, agosto 01, 2010

O Pranto da Escavadora (trecho inicial)

I

Só o amar, só o conhecer
conta, não ter amado,
não ter conhecido. Angustia

o viver um consumado
amor. A alma já não cresce.
Assim, no calor encantado

da noite que cheia desce
pelas curvas do rio e as súbitas
visões da cidade embaçada de luzes,

ecoam ainda as mil vidas,
desamores, mistério, e miséria
dos sentidos, tornando-me inimigas

as formas do mundo, que ontem eram
ainda a minha razão de existir.
Exausto, entediado, torno por negras

praças de mercados, tristes
estradas em torno ao porto fluvial,
barracos e armazéns mistos

com os últimos prados. Lá, mortal
é o silêncio: e ali, na Viale Marconi,
estação Trastevere, é doce o final

da tarde. E lá nos seus rincões,
nos subúrbios, ligam os motores
ligeiros — vestidos ou só de calções

de trabalho, num impulso de festivo ardor —
os jovens, com amigos na garupa,
rindo e sujos. Os últimos clientes

conversam em pé e em alta
voz à noite, aqui, ali, em mesinhas
de bares ainda luzentes e semivazios.

pier paolo pasolini / as cinzas de gramsci







IV



O escândalo de me contradizer, de estar
contigo e contra ti; contigo no coração,
à luz do dia, contra ti na noite das entranhas;

traidor da condição paterrna
- em pensamento, numa sombra de acção –
a ela me liguei no ardor

dos instintos, da paixão estética;
fascinado por uma vida proletária
muito anterior a ti, a minha religião

é a sua alegria, não a sua luta
de milénios: a sua natureza, não a sua
consciência; só a força originária

do homem, que na acção se perdeu,
lhe dá a embriaguez da nostalgia
e um halo poético e mais nada

sei dizer, a não ser o que seria
justo, mas não sincero, amor abstracto,
e não dolorida simpatia…

Pobre como os pobres, agarro-me
como eles a esperanças humilhantes,
como eles, para viver me bato

dia a dia. Mas na minha desoladora
condição de deserdado,
possuo a mais exaltante

das poses burguesas, o bem mais absoluto.
Todavia, se possuo a história,
também a história me possui e me ilumina:


mas de que serve a luz?